Por Edinho Pasquale
| Data: 01/03/2006
O italiano Dario Argento tem lá seus admiradores ferrenhos, que esquecem o que de gratuito e superficial há em sua forma cinematográfica e não se incomodam com os ziguezagues obscuramente fúteis de seus roteiros. De qualquer maneira, dar com O pássaro de plumas de cristal (L’uccello delle piume di cristallo; 1970), o primeiro filme que ele dirigiu depois de ter participado de roteiros como o de Era uma vez no oeste (1968), do também italiano Sérgio Leone, revela incontestavelmente que até cineastas menores como Argento têm um estilo de filmar tão apurado e rigoroso que o cinema praticamente perdeu ao longo destas três décadas, tornando-se esta coisa incaracterÃstica que é hoje; o espectador que vê ou revê as realizações da década de 70, não deixa de suspirar: os filmes de então, por via de regra, eram estilisticamente muito melhores que os de hoje.
Em O pássaro de plumas de cristal Argento parece basicamente influenciado por Depois daquele beijo (1967), do italiano Michelangelo Antonioni. Como na obra-prima de Antonioni, o protagonista do filme de Argento assiste aparentemente a um crime (nesta caso, um crime tentado) cuja ilusão de ver é recapturada pela exaustiva reordenação de imagens da cena na cabeça da personagem-testemunha, utilizando-se muito de câmara e detalhes de ângulo e foco; como em Antonioni, Argento trabalha com a ilusão do olho chegando no fim a uma conclusão diferente daquela que parecia evidente.
Colocado numa época em que o refinamento cinematográfico italiano tinha a alma de Michelangelo Antonioni, os delÃrios de Federico Fellini e as estudadas ambientações de Luchino Visconti, os exageros crÃticos em torno do nome de Argento parecem isto mesmo: exageros, como os exageros formais e temáticos de seus filmes. Confrontado com o grosso da produção deste terceiro milênio que chega aos cinemas, O pássaro de plumas de cristal adquire contornos mais interessantes. Teoria da relatividade crÃtica.(Eon Fagunes)
P.S.: Com música de Ennio Morricone (imponente) e as sutilezas fotográficas de Vittorio Storaro, completa-se o quadro de perfeccionismo técnico do filme de Argento.