O diretor de cinema mexicano Alejandro González Iñarritu tem construído seu prestígio valendo-se duma rigorosa radicalização de filmar em que provocar os nervos do espectador sempre foi algo mais do que o choque da violência visual. Amores brutos (2001) foi uma brilhante carta de apresentação de sua perversidade fílmica e o episódio que ele rodou para 11 de setembro (2002), com a tela insistentemente escura povoada de vozes difusas e cortada por clarões de pouca permanência na retina, era outra amostra de seu inconformismo estilístico.
21 gramas (21 gramas; 2003) dá seqüência a estas descidas cruéis de Iñarritu ao universo de criaturas marcadas pela fatalidade trágica. Aqui o cineasta complexifica ainda mais sua narrativa de histórias cruzadas que lançara em Amores brutos; o jogo exige ainda mais da atenção e da capacidade de percepção do espectador. A primeira imagem da fita, antes mesmo dos créditos iniciais, mostra o ator Sean Penn sentado na cama (nu) diante de Naomi Watts (nua) que lhe está de costas e dorme; esta imagem vai aparecer depois lá quase pelo fim da realização. Entre este estranho início e o reaparecimento da imagem numa situação narrativa já mais esclarecida, o assistente vem a saber que a personagem de Penn recebeu o coração do marido morto da criatura de Naomi e envolveu-se sentimental e sexualmente com a viúva de seu doador; exaustivamente Iñarritu fere os códigos narrativos tradicionais, brincando com as ilusões cinematográficas: numa cena, imaginamos que Penn matou a Benicio Del Toro, depois o vemos presente ainda na história, pode-se pensar que se trata de seqüências do passado (antes do assassinato), mas depois a cena completa revela: Penn simulou ter matado Del Toro e o mandou fugir.
21 gramas, cujo roteiro é do habitual colaborador de Iñarritu, Guillermo Arriaga, guarda fortes semelhanças com Amores brutos. Em ambos os filmes um acidente automobilístico vai transformar e cruzar a vida de um punhado de personagens. Em 21 gramas a mulher cujo marido e duas filhas pequenas perdem a vida ao serem atropeladas por um ex-presidiário bêbado vem a envolver-se com o homem que sobreviveu graças à doação do coração do morto; o alvo de ódio que é o causador das mortes familiares implica uma estrutura narrativa nervosa a que a câmara trêmula e as imagens granuladas da fita correspondem inteiramente.
Se as pessoas perdem vinte e um gramas na hora da morte, um filme como 21 gramas traz uma tonelada de informação cinematográfica para prazer do cinéfilo.