Crítica sobre o filme "Aviador, O":

Rubens Ewald Filho
Aviador, O Por Rubens Ewald Filho
| Data: 29/09/2005
Certamente este é o filme mais bonito do ano. A produção que reconstitui a Hollywood dos anos 30, inclusive o lendário Coconut Grove é um esplendor, toda desenhada por Dante Ferretti (que trabalha sempre com Scorsese, aliás é toda sua equipe que se reúne novamente). Sem esquecer o fio narrativo da história. Ficamos sabendo de Howard Hughes cineasta, playboy, neurótico, milionário. Mas a ênfase mesmo, conforme ele gostava de dizer, Hughes era antes de tudo um aviador, responsável por quebrar recordes de velocidade e distância e principalmente por investir sua fortuna pessoal (o filme não deixa claro como a adquiriu, já começando com ele rodando seu primeiro filme, Hell’s Angels; não mostra nem mesmo como descobriu sua primeira estrela, Jean Harlow, que mal é vista na figura da cantora Gwen Stefani, que por sinal não tem nada a ver com ela). Foi por causa desse dinheiro investido em pesquisa que a aviação cresceu tanto (ele foi dono da TWA e lutou contra o monopólio da Pan American; o forte do filme é sua luta contra uma investigação do congresso, onde é pressionado por um político corrupto, muito bem feito por Alan Alda).

Falei em bonito. Acontece que Scorsese resolveu mexer no colorido, de forma que a fita ficou com as cores do tempo do Technicolor, ou seja, tudo muito brilhante e constratado, extremamente bonito e adequado. Ao contar a história de uma lenda de Hollywood, um notório produtor-diretor-dono de estúdio (RKO), ele está em seu elemento, mostrando trechos inteiros de Hell’s Angels, um pouco de O Proscrito e dando vida a algumas de suas namoradas, mais precisamente Ava Gardner, Faith Domergue e principalmente Katharine Hepburn. Ai começam os problemas, de liberdades que o roteiro tomou com a história. Ava, por exemplo, aparece em 1939, quando na verdade entraria na história sete anos depois, ou coisa que o valha. E menciona Sinatra, que também ainda não estaria no pedaço naquele momento. E para piorar, a inglesa Kate Beckinsale não se parece nem um pouco com ela (por outro lado, Ava é mostrada num ponto de vista muito positivo, revelando o bom caráter que sempre foi). Essa falha porém é quase corrigida por Scorsese, que teve a luz de escalar para o papel de Katharine Hepburn uma atriz espetacular que dá um show, se bem que já esperado: a australiana Cate Blanchett. Sem cair na mera imitação, mas se assemelhando na maquiagem, no cabelo, nos gestos e principalmente na voz, ela faz uma encarnação perfeita, como raramente vimos antes. Ajudada ainda porque o personagem se torna a principal figura feminina, graças à sua originalidade e carisma (o filme conta que Hughes teria ajudado a esconder o romance dela com Spencer Tracy, que era casado, evitando assim o escândalo. Nunca ouvi ou li sobre isso, mas enfim... Pode ser).

O filme, porém, erra em não dar mais informações (não tem sequer ao final aqueles letreiros para informar quando morreu, que foi ficando cada vez mais louco, que se casou com a estrela Jean Peters e possivelmente também com Terry Moore, enfim aquilo que a gente gosta de saber). E talvez não construa um retrato sólido de quem foi Hughes, justamente porque não se aprofunda nas informações, limita-se a registrar que ele era traumatizado com germes e foi ficando progressivamente mais recluso e maluco. Leonardo Di Caprio, também co-produtor, é um bom ator e convence plenamente como o jovem herói, mas tem certa dificuldade para envelhecer (principalmente no porte, na postura e peso). Ainda acho um bom trabalho, num filme que não cansou, mas é lógico que é preciso levar em conta que sou aficcionado do período e da temática, portanto posso ter uma involuntária adesão ao filme. Resta saber se a Academia dará finalmente o Oscar de diretor para ele (NE. acabou não dando). Porque a fita não tem fôlego de obra-prima, é boa, muito boa. Mas na comparação, talvez a modéstia e sinceridade de Million Dollar Baby tenha mais impacto. (Rubens Ewald Filho na coluna Cinemania em 12 de janeiro de 2005)