Crítica sobre o filme "La Luna":

Eron Duarte Fagundes
La Luna Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 05/04/2006
Nenhum cineasta tem a capacidade de filmar as paixões humanas com a intimidade cinematográfica do italiano Bernardo Bertolucci. La luna (1979) é um apaixonante mergulho nas tumultuosas relações entre uma mãe artista, amorosa mas ausente, e um filho adolescente inquieto com o desaparecimento da figura do pai (a morte do homem que o criou e a ausência daquele que seria seu pai de verdade); como habitualmente ocorre num filme de Bertolucci, a movimentação intelectual da câmara vai expor certos espaços de cinema que só uma aguda sensibilidade fílmica traria para a tela; a câmara de Bertolucci está sempre excitada e dir-se-ia que seu erotismo é profundamente estético; uma panorâmica sinuosa busca uma cor (a fotografia de Vittorio Storaro capta com precisão a profundidade íntima de Bertolucci) e esta cor vai ter no cenário, gerando um círculo lingüístico que identifica no realizador peninsular um dos mais pessoais da atualidade; a preparação de cada cena não engana ninguém: estamos diante do rigor apaixonado de Bertolucci.

De certa maneira, o melodrama encenado em La luna é uma tergiversação entre duas influências contraditórias no estilo de Bertolucci. Influências que ele harmoniza a seu jeito. Bertolucci parte da complexidade psicológica do francês Robert Bresson, e de fato certas objetividades de imagem são bressonianas. Mas o lado operístico e barroco de La luna permite dizer que esta realização é a mais viscontiana de Bertolucci: a sedução do canto da ópera é um êxtase que Bertolucci aprendeu com seu mestre Luchino Visconti.

A soprano cujo filho se droga e está entregue ao mesmo desespero vital dos protagonistas de O último tango em Paris (1972), ainda agravado por uma adolescência perturbada, é vivida pela excelente atriz norte-americana Jill Clayburgh, uma das figuras carimbadas da Hollywood de então e cujo maior sucesso de interpretação foi a separada de Uma mulher descasada (1978), o melhor filme do norte-americano Paul Mazursky; Jill, do alto de seu charme e desenvoltura em cena, contracena com o jovem Mathew Barry, inexperiente e ríspido, problema estético que a direção de ator de Bertolucci coordena com mão de mestre, segura e nuançada, extraindo de eventuais problemas alguns achados. Observando a estatura de intérprete de Jill ao longo da evolução do filme, o espectador de hoje, bombardeado pelo método de Julia Roberts ou Cameron Diaz, pode ter logo a sensação de que Hollywood já foi uma fábrica de grandes atrizes; e Jill pertence a uma geração que tinha Jane Fonda, Anne Bancroft e Shirlkey Maclaine; por onde andará Jill afinal, e que Hollywood fez de nossos sonhos de grandes mulheres do cinema?

La luna tem um assunto assemelhado com aquele de Sonata de outono (1978), onde o sueco Ingmar Bargman expunha o tempo inteiro um dueto terrível entre mãe e filha; a diferença é que Bertolucci troca o espiritualismo seco do cineasta nórdico por uma visão de paixões à italiana. Como não poderia deixar de ser, em se tratando de um grande Bertolucci, La luna tem sua peça de antologia escandalosa: se em O último tango em Paris a manteiga no ânus de Maria Schneider servia de introdução ao libelo antifamiliar de Marlon Brando, em La luna a personagem de Jill alivia as tensões de seu problemático filho masturbando-o demorada e doloridamente. Esta seqüência é apenas o pontapé inicial do dilema do incesto, tratado em outras cenas tão fortes quanto honestas.

Estamos, pois, diante dum Bertolucci em grau máximo. (Eron Fagundes)