Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 13/03/2006
Dino Risi, um cineasta italiano longevo, está ao lado de bons realizadores peninsulares, como Alberto Lattuada, Luigi Comencini ou Mário Monicelli, que, num cinema como o da Itália onde surgiram alguns dos maiores diretores do mundo (Federico Fellini, Michelangelo Antonioni, Luchino Visconti, Roberto Rossellini), ficam numa região intermediária: têm o senso de filmar, mas estão longe da genialidade dos mestres. Se pedissem a este comentarista para escolher um entre estes artistas do limbo (bons mas sem genialidade), eu marcaria Risi; ele fez uma obra-prima pouco referida, Almas perdidas (1976), narrativa secreta e misteriosa cuja tragicidade fugia à singeleza cômica do cineasta apreciada em Sexo louco (1973) e Perfume de mulher (1974); e também nos envolve nesta lenta transformação dos aspectos cômicos de um filme num drama amargo sobre as vicissitudes da vida, em Aquele que sabe viver (Il sorpasso; 1962).
Com uma certa linearidade, mas igualmente com alguma poesia de câmara, Risi constrói em Aquele que sabe viver uma dialética cinematográfica do comportamento humano. Ele opõe, de maneira direta e quase sem sutileza, duas personagens: a criatura vivida pelo italiano Vittorio Gassman é um falastrão, dirige seu carro em alta velocidade, quer desfrutar de cada instante como se a vida fosse terminar no minuto seguinte; o ser interpretado pelo francês Jean-Louis Trintignant é um tÃmido estudante de Direito que tem medo de arriscar-se, passa seus dias meio mumificado. A partir do momento em que Bruno (Gassman) entra no apartamento de Roberto (Trintignant) pedindo licença para telefonar, a troca de vivências destas duas personagens vai alterar tudo: os conceitos de amizade de Bruno e o interior reprimido de Roberto. Este se deixa paulatinamente contagiar pela alegria daquele e Bruno, de maneira mais secreta, cicatriza suas feridas humanas que se ocultavam em sua necessidade de estar sempre no centro das coisas.
Risi vai dar à personagem Robero um dia intenso de vida, mas tudo se concluirá tragicamente: Roberto morrerá no acidente de carro do final. Perguntado por um figurante às suas costas diante da visão do carro despencado no barranco, Bruno responde: “Se chamava Roberto. Eu o conheci ontem de manhã.†É um primeiro plano de perplexidade e angústia aquele que cobre a face deste grande ator Vittorio Gassman.
A relação do cinema de Risi com o dos grandes mestres tem uma irônica cena em Aquele que sabe viver a criatura de Gassman revela que foi ver O eclipse (1961), de Michelangelo Antonioni, e, antes que Trintignant abra a boca para dissertar, diz que dormiu o tempo inteiro. Estaria Risi propondo para a realidade italiana da época um cinema menos sonÃfero, menos culto, e mais próximo das platéias? É uma boa provocação a que Risi coloca na boca de sua personagem. (Eron Fagundes)