Crítica sobre o filme "Melinda e Melinda":

Rubens Ewald Filho
Melinda e Melinda Por Rubens Ewald Filho
| Data: 26/10/2005

Deve ser um outro caso de alucinação individual ou coletiva. Você resolve.

Ando lendo por aí que este filme é a redenção de Woody Allen e sua volta à forma. Mas não foi esse o filme que eu vi. Nem o que se depreende no exterior, onde a fita foi enorme fracasso (não chegou a quatro milhões de renda nos EUA), também massacrado pela crítica.

Alguém errou, ou vimos o filme diferente. Parece que Allen melhora novamente no filme “Match Point “, que passou agora em Cannes (não vi) e que ainda não tem distribuidor porque estão pedindo muito caro. Mas aqui consegue fazer um de seus piores trabalhos, a tal ponto que, fica difícil entender a história. A proposta do filme é, contar a mesma história de duas maneiras diferentes, como drama e como comédia. Isso a partir de uma mesa de bar onde um grupo de intelectuais, procura mostrar que tudo na vida pode ser encarado de maneira diferente, como tragédia ou comédia. E ilustram isso com a mesma situação, com ligeiras mudanças. Mas tudo é tão mal contado na tela, que por vezes você não consegue diferenciar o que é para rir ou para chorar. Porque nenhuma das duas versões tem qualquer graça.

Às vezes, a única indicação é o coitado do Will Ferrell tentando fazer uma imitação, descarada e infeliz do jeitão de Allen (que não esta no elenco). O que eu vi foi um exercício de estilo inútil e mal feito , realizado com um orçamento mínimo e tudo aquilo que antes parecia estilo mas que Allen recusa evoluir: mesmo estilo de trilha musical, letreiros, interpretação, sendo que este é o pior elenco com que já trabalhou, praticamente todos são desconhecidos ou quase. E a figura central é a australiana Radha Mitchell, de Em Busca da Terra do Nunca que tem uma figura interessante, mas não consegue deixar sua marca mesmo sendo as duas Melindas.

O exercício envolve dois casais a partir do mesmo ponto de conflito: uma antiga amiga que chega inesperadamente na casa de um casal. No drama, ela chega numa noite de chuva, e encontra a antiga amiga (Chloe Sevigny) que vive com um ator alcoólatra (Jonny Lee Miller). Na comédia, ela é vizinha do casal, onde a mulher (Peet) é uma diretora de cinema que procura financiamento e o marido também ator desempregado. Nos dois casos, tudo vai terminar em adultério. Digo tudo com tranqüilidade, porque já fui admirador de Allen e fico triste em constatar sua decadência. Provocada pelo excesso de trabalho (um filme por ano acaba provocando um resultado irregular, vai faltando inspiração) e por sua recusa de mudar ou evoluir, refazendo sempre as mesmas situações e personagens (embora agora já apareça menos como ator). Era melhor voltar a ser seletivo, polir mais as piadas, talvez fugir do ambiente nova-iorquino de sempre (em “Match†ele rodou na Inglaterra e o próximo filme também será feito lá, já que conseguiu patrocínio da BBC Filmes, nos EUA ninguém mais quer saber dele).

Enfim, se quiserem tirar a duvida, o risco é de vocês. Mal consegui rir uma ou duas vezes na fita. O que se pode elogiar é o fato dele insistir em fazer os filmes que gosta e que deseja, sem fazer concessões de qualquer espécie. Mesmo que o publico já o tenha abandonado. (por Rubens Ewald Filho na coluna Clássicos em 10 de junho de 2005)

 

O plano de abertura do filme mostra a fachada superior duma cafeteria. A câmara se movimenta lateralmente para a direita, depois desce um pouco e vai entrando pela porta do bar; todo o movimento é executado com medida lentidão; no instante em que as primeiras palavras do texto fílmico começam a revelar o tema do diálogo e de toda a narrativa, questionar se a vida é essencialmente trágica (como diz essa frase inicial) ou cômica, uma fusão de imagens vai colocar a câmara à mesa de discussão das personagens. Melinda e Melinda (Melinda and Melinda; 2004) é uma nova amostra da inteligência, do brilho e do rigor formal do cineasta norte-americano Woody Allen; a sombra do realizador francês Eric Rohmer é a mais perversa na intensa dialogação de Allen, que acrescenta às sutilezas de seu mestre gaulês uma acidez judaica que, quando bem realizada, abre seu cofre cinematográfico mais pessoal.

Todo o novo filme de Allen é uma construção narrativa da conversação entre as criaturas à mesa da cafeteria. Na verdade, Allen está discutindo a essência de seu próprio cinema, que oscila entre o drama e a comédia com referências auto-irônicas. Para manter uma visão mais distanciada do problema, Allen se ausenta do filme como ator; atrás da câmara, seu perfeccionismo para elaborar o desempenho de seu elenco atinge o apogeu, buscando para cada intérprete jeitos cênicos tão rigorosos quando deslumbrantes em seus significados. Neste aspecto, novamente o cinema Allen presta tributo à precisão francesa de Rohmer: os atores de Allen parecem muito rohmerianos em contenção e espontaneidade misturadas.

As visões dos dois dramaturgos que principiam a contar a mesma história sob dois pontos de vista (um cômico, outro trágico) à mesa da cafeteria se entrecruzam admiravelmente ao longo de Melinda e Melinda. A discussão sobre o que é essencial, o choro ou o riso, remonta, como tudo, aos gregos, com Heráclito defendendo a profundidade das lágrimas e Demócrito preferindo as revelações das risadas; mas Allen dá sua contribuição muito contemporânea para o assunto. E uma visão contemporânea vai ter sempre um quê de cinematográfico. Mas isto não é o mais importante: como diz uma interlocutora encerrando os diálogos à mesa da cafeteria, o que importa é – quer como tragédia, quer como comédia — que saibamos aproveitar a vida. (por Eron Fagundes na coluna Cinemania em 13 de junho de 2005)