Desprezando o Monte Cristo
O ensaista italiano Umberto Eco escreveu um ensaio chamado Elogio do Monte Cristo.
O ensaísta italiano Umberto Eco escreveu um ensaio chamado “Elogio do Monte Cristo”. Seu propósito: explicar como o romance francês O conde de Monte (Le comte de Monte Cristo; 1846), de Alexandre Dumas, é um romance tão grande quanto O vermelho e o negro, de Stendhal, e Madame Bovary, de Gustave Flaubert. Jogando nos paradoxos estéticos da literatura, Eco dá as cartas: “O conde de Monte Cristo é, sem dúvida, um dos mais apaixonantes romances já escritos e, por outro lado, é um dos romances mais mal escritos de todos os tempos e de todas as literaturas.”
Eu não relia o romance de Dumas desde a adolescência. As lembranças daquela leitura se esfumaçam entre outras leituras que me apaixonaram bem mais. A releitura, agora entre 2023 e 2024, se arrastou entre meses para que, ao mesmo tempo em que ela ocorria, eu pudesse dedicar-me a outros livros que me despertavam mais a paixão literária, inclusive a releitura de Proust no original francês.
Eco amou muito a Monte Cristo. Confesso que aquelas reviravoltas e golpes baixos de construção narrativa de Dumas mais me entediaram que apaixonaram. É um modelo de romance de aventuras (emocionais e outras) do século XIX que em O conde de Monte Cristo sobreviveu como clássico mas dificilmente se sustenta bem em suas paredes narrativas, que estão sempre ruindo, são precárias e adotam processos cuja ingenuidade transparece, incomoda, constrange. Eco se dispôs a elogiá-lo, a despeito de usar seu cerebralismo de pensador para explicar um instinto estético: “Monte Cristo é falso e mentiroso como todos os mitos, verdadeiros em sua verdade visceral. Capaz de apaixonar até a quem conhece as regras da narrativa popular e percebe quando o narrador prende seu público ingênuo pelas vísceras.”
Eco ressuscita para a arte do paladar do século XX um certo Monte Cristo. Eu prefiro pô-lo em seu lugar: um universo que permanece a despeito de suas fraquezas; como tantos outros. Pode-se amar ou desprezar esse universo: e isto vai importar tão pouco.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br