Inspirado na Obsessao Literaria

Os papeis de Aspern dah voz a uma narrador em primeira pessoa que estah atras das cartas dum poeta, Jeffrey Aspern, mandadas para sua amante

19/08/2019 21:06 Por Eron Duarte Fagundes
Inspirado na Obsessao Literaria

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Henry James conta, em Os papéis de Aspern (The Aspern papers; 1887), a história duma obsessão pela literatura que é bem a própria obsessão de James, escavar nos papéis as únicas palavras e sintaxes que podem servir-lhe aos propósitos. O que vemos na trama da novela é o itinerário do espírito de James, e também alguns passos que ele de fato deu como observador das coisas da literatura.

“Não apenas lembro com facilidade, mas recordo com grande prazer o primeiro impulso dado à ideia de Os papéis de Aspern”, revela James na primeira oração de seu prefácio a seu livro. Sinuoso como todos os prefácios paraliterários do escritor, fontes inesgotáveis para as teses sobre as suas  construções ficcionais, este texto explicativo-crítico de James abre a origem do argumento do livro: uma meia-irmã da segunda esposa do poeta Percy Schelley, a qual teve uma filha com Lord Byron, poeta amigo de Shelley, e que vivera, anciã, quase contemporaneamente com James, em Florença, na Itália; James imaginou que podia tê-la conhecido e o que poderia ter resultado deste encontro como descobertas literárias e humanas dos dois grandes poetas.

Os papéis de Aspern dá voz a uma narrador em primeira pessoa que está atrás das cartas dum poeta, Jeffrey Aspern, mandadas para sua amante. Ele vai atrás desta amante, uma idosa, e para ser bem-sucedido em sua busca das cartas, monitora um relacionamento ambíguo com a sobrinha da velha. O narrador traz para a narrativa um “eu” curioso: este eu desliza pelas frases de maneira impessoal, diferente de outros eus da literatura, antecipando um pouco aquela objetividade estranha que muito tempo depois o francês Marcel Proust radicalizaria em seu romance-rio. James, o novelista, é em parte este ser de espírito que flutua, sem lhe falarem o nome, pelas páginas de Os papéis de Aspern. O escritor materializa, em sua ficção, aquilo que sua distração ou timidez o impediu de fazer na vida: aproximar-se duma mulher que conviveu com um poeta de sua afeição intelectual. As cartas (ou os papéis) formam a materialidade que os diálogos da novela, esquivando-se, teimam em afastar. James executa os andamentos de sua narrativa com um equilíbrio que se agudiza muito à medida que o tempo em palavras vai passando aos olhos do leitor, algo para realçar, em profunda sutileza, o senso literário em cena. “A anciã estava sentada no mesmo lugar em que eu a havia visto da última vez, na mesma posição e com a mesma faixa mistificadora sobre os olhos.”

A habitual frieza britânica que o americano James desenha tão bem é açodada por alguma paixão, algo que, se não queima, tisna. “Gostaria de tomar a resposta como alusão sutil ao arrebatamento que a Srtª Bordereau havia conhecido na companhia de Jeffrey Aspern, mas, para falar a verdade, semelhante alusão não combinava bem com o desejo que eu lhe atribuía de mantê-lo sepultado no coração.” O narrador bisbilhoteiro quer reaver Aspern (e os papéis), mas as mulheres puxam para a direção contrária, ocultar, fugir; desta dialética narrativa James extrai a arte única de sua novela.

O desencanto final (“Quando olho para ele, mal posso suportar a perda... me refiro, é claro, à perda dos preciosos papéis”; no original inglês o escritor usa a palavra “letters”, cartas, e a tradutora brasileira Maria Luiza Penna Moreira prefere usar a mesma palavra do título, “papéis”, fazendo com que o final evoque mais claramente o início, talvez James seja mais subterrâneo que qualquer tradução possível) talvez signifique que a obsessão da literatura, em James como em suas personagens, possa virar cinzas facilmente. Porque a materialidade inconstante e traiçoeira não corresponde àquilo que está depositado no espírito.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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